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Sobre drogas, ácidos e outras toxinas

Há muitos, imensos, variados, inúmeros tipos de vícios. Do álcool ao tabaco, ao trabalho, ao sexo, às anfetaminas, à preguiça, ao chocolate, aos químicos e outros pozinhos mágicos. Não há ninguém que seja imaculado e nunca tenha experimentado nada passível de viciar – e danificar o organismo (e por vezes a própria vida), quando consumido em excesso.

Mas além destes vícios (mais ou menos tolerados e mais ou menos conhecidos da sociedade), há outros que existem, e que demoram mais a ser aceites como corrosivos, como tóxicos à pessoa que abusa deles, e indiretamente a quem vive e convive com esta realidade.

Falo das relações abusivas.

Muitas vezes (mais do que queremos admitir), andamos mais carentes ou mais eufóricos ou mais qualquer coisa, e apetece aumentar ainda mais a adrenalina. Apetece experimentar aquela pessoa, que tem qualquer coisa de mau (e nisso nós, mulheres, somos peritas em achar piada ao bad boy) mas que sabe tão bem.
Que teve uma atitude extremamente agressiva, sem razão aparente, com o condutor do lado, mas que depois passa o resto do dia com mimos e cafunés.
Que se irrita e grita e oferece “porrada” ao fulano da equipa contrária só porque o seu clube não ganhou, mas que até se oferece para, diariamente, se levantar meia hora mais cedo e ir levar-te ao trabalho e, quando sais, o encontras à porta para te levar de novo para casa.
Que fala mal de toda a gente (com jeitinho até a mãe é catalogada), mas que te nomeia o “seu amor” em menos de uma semana de encontros.

Começa tudo muito bem. Demasiadamente bem, até. É algo parecido com um conto de fadas mas elevado a um estado gigantesco de mel e amor e coraçõezinhos e outras coisas do género.
Começa com uma atenção desmedida, exagerada, com uma “preocupação” de como estás, de onde estás, de com quem estás. E tu, que se calhar até estás carente, sozinho/a, gostas daquela atenção, faz-te bem, é uma endorfina em forma de gente.
É o passar a ser o teu “choffeur” diário, para todo o lado, sem que lhe tenhas pedido ou que precises realmente.
É o passar a ligar-te e a enviar-te mensagens ininterruptamente, muitas vezes sem nada para dizer.
É o querer saber com quem estás, quem é aquele colega, aquela amiga, o teu irmão, os teus amigos, porque “quero conhecer-te e quero fazer parte do teu mundo”.
É o oferecer-te a chave da sua casa em menos de um mês da primeira noite lá passada, e fazer questão que vás viver com ele/a, "não aceito um não - ou não queres estar comigo?".

É no fundo, controlar-te.

E mesmo que te pareça um exagero, tu deixas. Porque sim, porque se calhar tu é que estás a exagerar, porque ele/a é um querido/a, porque mostra um interesse por ti como ninguém mostrou.

E tu cedes. Não travas, respondes sempre, atendes sempre, não lhe respondes torto nem o/a contrarias (“já viste a figura que fez no café, no outro dia, só porque o empregado se enganou no troco??”), afinal tu não queres chatices e até sabe bem (como aquele shot ou charro, tu pensas que consegues controlar e quando parar!).

Mas o tempo passa, e quando te apercebes estás já na teia tóxica daquele teu “par”.
E ai de ti que, um dia, não queiras a sua boleia, não lhe respondas à última mensagem no minuto seguinte, não possas atender a chamada, queiras ir jantar fora com uns colegas ou queiras ir aprender um novo hobby com um familiar.
Aí a toxina vem ao de cima. E o veneno apodera-se e revela o monstro com quem estás – porque te insulta, porque te ameaça, porque te bate, porque te esconde, porque te desrespeita. E mesmo que tu te apercebas, estás já tão dependente do vício (não do amor ou da paixão, porque esses há muito que morreram) que nem sabes muito bem como acabar com aquilo, “a ressaca vai custar horrores”, pensas que consegues controlar…. Mas é o vício que te controla.

E mesmo que alguém te chame a atenção, te alerte, e tu reconheças que estás toxicodependente, não sabes a quem pedir ajuda (a PSP muitas vezes só regista, faz o papel de padre a quem tu confessas o teu vício….e a coisa fica por aí mesmo), ou como pedir ajuda, ou se a ajuda alguma vez chega (até porque, depois, também encontras muitas pessoas que tentam “amenizar” a situação com comentários como “pelo menos não estás sozinho/a”, “aguenta, nem que seja pelos filhos. Afinal, eu também aguentei”. Como se alguém sugerisse a um alcoólico para deixar o vinho e dedicar-se apenas à cerveja, que assim a coisa ficaria resolvida!)


Ontem presenciei mais um caso de toxicodependência destas. Eu própria já fui toxicodependente de uma relação destas, tenho perfeita consciência de como me deixei intoxicar, como até parecia que sabia bem…. E como foi uma droga livrar-me de tudo aquilo.
Fiquei tão chocada quando, ontem, vi uma amiga (na casa dos 40, não miúda adolescente com pouca experiência de vida!) na mesma situação, já perfeitamente consciente de como está “agarrada” mas que prefere esperar que o veneno se farte dela (o corpo condutor da substância maldita) do que ser ela a cortar com o mal pela raiz (até as literalmente dezenas de sms dele (enviadas em menos de 2 horas) a perguntar por ela a deixavam de rastos!!!!). Simplesmente porque tem medo, porque não sabe qual o antídoto ou como acabar com aquela toxina. Como passar a viver sem aquilo (como se atualmente pudesse chamar vida à sua sobrevivência).

Choca-me a pessoa resignar-se à sua pobre condição e deixar-se dominar, porque assim sempre foi. Choca-me a manipulação e o controlo extremo. Choca-me o abuso. Choca-me haver tantas associações de luta contra a droga e álcool, de prevenção contra o tabagismo e a obesidade… e de ainda haver tão pouca AÇÂO e prevenção no que respeita à Violência Doméstica.

Mas, mal por mal, fico satisfeita por as pessoas finalmente chamarem as coisas pelos nomes. Pelas notícias dedicarem cada vez mais tempo a denunciarem casos destes (violência doméstica, física ou psicológica, sempre houve, não tinha era lugar de destaque porque “entre marido e mulher…."), ainda que, na sua maioria, seja por situações com desfechos trágicos.
Fico satisfeita por haver cada vez mais campanhas como esta. A passar atualmente nas salas de cinema.




Bonito bonito seria ver campanhas como esta passar em TODOS os intervalos publicitários, gratuitamente (serviço público obrigatório) e em TODOS os canais televisivos (afinal, as crianças de hoje podem ser os futuros “drogados” ou manipuladores de amanhã).

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